DE BELÉM — Em seu terceiro dia, a COP30 ganha um tom mais popular e, ao mesmo tempo, mais tenso. Protestos se espalham pelas ruas e vão tomar os rios da capital paraense na manhã desta quarta (12), com uma barqueata. Movimentos sociais e indígenas pressionam e fazem um contraponto ao tom otimista adotado por governos e corporações durante a conferência do clima.
A tensão escalou na noite de terça-feira (11), quando manifestantes invadiram a zona azul, onde acontecem as reuniões diplomáticas. O espaço é controlado e cercado por forte esquema de segurança. Um grupo formado por ativistas, no entanto, rompeu o cerco para protestar contra a exploração de petróleo na Foz do Amazonas e pedir a tributação de bilionários.
As forças de segurança formaram dois cordões humanos para tentar conter a invasão. Dois seguranças ficaram feridos e houve danos superficiais ao portão principal. Os manifestantes gritavam: “Governo Lula, que papelão, destrói o clima com essa perfuração”.

O protesto foi o episódio mais tenso de uma série de atos que marcaram o segundo dia da conferência. À tarde, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) fez uma ação dentro da Agrizone. Localizada próxima ao pavilhão principal da COP30, a Agrizone foi criada pela Embrapa, com apoio do Ministério da Agricultura, para representar agronegócio. O local conta com estandes patrocinados por Bayer, Syngenta, Nestlé, PepsiCo, dentre outras.
O MST criticou o espaço como tentativa de limpar a imagem do agronegócio. Militantes vestidos de preto, com pulverizadores marcados com a palavra “glifosato”, marcharam pelo corredor principal cantando: “Agrizone, tu não me engana, o verde desse dólar não salva nossa Amazônia”.

Na outra margem da cidade, a Aldeia COP, instalada na UFPA (Universidade Federal do Pará), abriga quase 3 mil indígenas de todo o país, que chegaram a Belém em caravanas e embarcações. Na noite da terça (11), durante a cerimônia de abertura, eles pediram a demarcação de terras indígenas.
Mais cedo, o cacique Raoni Metuktire e outras lideranças indígenas da Amazônia criticaram o apoio do presidente Lula à exploração de petróleo na foz do rio Amazonas. “Eu não concordo. O petróleo está acabando com a natureza”, disse Raoni,Outro protesto, a Barqueata da Cúpula dos Povos, marcada para a manhã desta quarta (12), intensifica a mobilização. O ato planeja reunir mais de 200 embarcações e 5 mil participantes de 60 países, segundo os organizadores.

Além da Cúpula dos Povos e da Aldeia COP, outro local de resistência é a Casa do Povo, no bairro Reduto, distante seis quilômetros do pavilhão oficial. O local é a sede da COP do Povo e funciona em um imóvel alugado por movimentos sociais, pastorais e organizações ambientais.
Logo na entrada, há uma lista com milhares de nomes de pessoas mortas na defesa do meio ambiente, da reforma agrária e dos direitos humanos em todo o mundo. Nas salas, cartazes, faixas e bandeiras cobrem as paredes.
Na manhã de terça (11), um grupo de trabalhadores rurais e ativistas discutia a relação entre trabalho escravo e mudanças climáticas. Na platéia, um participante da fronteira do Acre com o Peru relatou episódios de venda irregular de créditos de carbono e a presença de facções criminosas na grilagem de terras.
No salão principal, outro grupo analisava o Acordo de Escazu, recém-aprovado pela Câmara dos Deputados e em tramitação no Senado. O tratado garante acesso à informação, participação social e proteção de defensores ambientais, sendo o primeiro da América Latina com esse objetivo.
No mesmo endereço, os organizadores se dedicavam aos preparativos do Tribunal dos Povos contra o Ecogenocídio, que será realizado quinta (13) e sexta (14) no auditório do Ministério Público Federal (MPF). O julgamento simbólico tratará de 21 casos de falsas soluções climáticas, grandes empreendimentos e violência no campo.
Uma das organizadoras, Claudelice Santos, do Instituto Zé Cláudio e Maria, explicou que o desejo era realizar o tribunal na Praça da República. O evento, porém, foi transferido após análise de segurança: “As testemunhas sofrem ameaças e entendemos que não poderia ser em um local aberto. No MPF há aparato de segurança”, entende.
Claudelice informou que uma documentação com denúncias será enviada a relatores da ONU, ao Ministério Público e a ministros do governo federal.
As ações da Casa do Povo, da Aldeia COP e da Cúpula dos Povo tentam disputar espaço e voz em uma conferência marcada pelo predomínio das negociações diplomáticas e corporativas.
“Na zona azul estão o Estado e as empresas, e o povo, que é o mais afetado pelas mudanças climáticas, não está”, questiona Claudelice.