BRENO ESAKI/METRÓPOLES @BrenoEsakiFoto
À coluna, um colaborador da associação contou que, dentro da sede da Conafer, os funcionários também são vítimas de irregularidades
Segundo a Conafer, a finalidade da contribuição seria “reforçar o financiamento de projetos, campanhas e doações que beneficiam diretamente agricultores familiares e empreendedores rurais em todo o país”.
Revoltado, o denunciante relatou que mesmo aqueles que se posicionaram contra a inscrição no cadastro de associados tiveram os valores descontados nos contracheques de seus salários.
No documento que anunciou a filiação coletiva, consta a assinatura do presidente da entidade, Carlos Roberto Ferreira Lopes. Inconformados com a impossibilidade de impedir os descontos, alguns trabalhadores se uniram para denunciar o caso, anonimamente, ao Ministério Público do Trabalho (MPT).
Após isso, os abatimentos teriam sido suspensos. “Houve a denúncia e, logo após, eles disseram que fariam de outra forma. Porém, o que foi descontado [referente ao mês de janeiro] nunca foi ressarcido. Eles também não deram comprovante de que houve desconto – apenas depositaram o salário com o valor da mensalidade já abatido.”
Meta de filiação
Conforme o depoimento, quem trabalha para a associação vive à sombra do medo da demissão. Uma meta de filiação é estabelecida mensalmente e, de acordo com o relato, gestores que não a alcançam são suspensos e têm valores descontados da folha de pagamento.
Documentos enviados à coluna, também assinados pelo presidente da Conafer, corroboram a denúncia. Em um dos “alertas” encaminhados aos colaboradores, o emissor afirma, após um episódio de demissões, que, caso o “corte” não surta efeito nas filiações daquele mês, mais 10% dos funcionários seriam desligados.
“Os cortes irão acontecer até a direção entender que nós, colaboradores, compreendemos o que é a Conafer e que os filiados são a prova de que estamos, de fato, cumprindo com nosso estatuto. Não faz sentido funcionários não serem associados. No início era tudo tranquilo, mas depois começou o ‘surto’ por ficha de filiação. Desde a visita da Polícia Federal, o clima mudou. Ninguém fala sobre o assunto e tratam como se as notícias na mídia fossem falsas”, confidenciou o denunciante.
Pagamentos em banco de alvo
Ainda segundo o funcionário, todos os colaboradores são obrigados a receber os salários por meio do banco Terra Bank.
Cícero Marcelino, sócio-administrador do banco digital Terra Bank, que se apresenta como voltado a produtores e empreendedores rurais, foi citado pela PF durante as investigações. De acordo com as informações divulgadas pelo colunista, a instituição financeira iniciou suas atividades em maio de 2022.
Desrespeito às normas
Uma segunda queixa apresentada pelos funcionários refere-se aos atrasos nos pagamentos. Em uma mensagem apontada como sendo deste mês, um aviso enviado por WhatsApp, assinado pelo setor financeiro da Conafer, informa que, devido a “questões relacionadas à logística interna”, a programação de pagamentos referente ao mês de maio seria iniciada apenas no dia 15.
No entanto, o funcionário que procurou a coluna relatou que, em diversas ocasiões, o expediente ocorreu normalmente, de forma presencial, mesmo sem água no prédio. Segundo ele, os banheiros estavam trancados, e os colaboradores precisavam se deslocar até estabelecimentos comerciais da região para utilizar os sanitários.
“Vejo que vocês falam sobre a entidade e o INSS, porém, além disso, tem o descaso com os funcionários, como a obrigatoriedade de bater meta de ficha de filiação, desvio de funções, funcionários que trabalharam dois dias sem água no prédio, com banheiros trancados”, disse, indignado.




O núcleo da farra
Conforme a coluna revelou, em 2021, um Procedimento Investigatório Criminal do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios já alertava para um desvio sistemático de recursos públicos.
Naquele ano, a Conafer saltou de 42 mil para mais de 279 mil filiados. O crescimento coincidiu com o auge da pandemia e com a redução no atendimento presencial do INSS, cenário que favoreceu a aplicação do golpe.
Milhares de aposentados e pensionistas descobriram os descontos apenas meses depois. Alguns, com benefícios próximos ao salário mínimo, tiveram até R$ 77 abatidos por mês.
O esquema
O escândalo do INSS foi revelado pelo Metrópoles em uma série de reportagens publicadas a partir de dezembro de 2023. Três meses depois, o portal mostrou que a arrecadação das entidades com descontos de mensalidade de aposentados havia disparado, chegando a R$ 2 bilhões em um ano, enquanto as associações respondiam a milhares de processos por fraude na filiação de segurados.
As reportagens do Metrópoles levaram à abertura de inquérito pela PF e abasteceram as apurações da Controladoria-Geral da União (CGU). Ao todo, 38 matérias do portal foram listadas pela PF na representação que deu origem à Operação Sem Desconto, deflagrada em 23 de abril e que culminou nas demissões do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e do ministro da Previdência, Carlos Lupi.
A coluna procurou a Conafer e o Ministério Público do Trabalho (MPT), mas, até o momento, não houve retorno.