Tilápias (Crédito: Envato)
Classificação da tilápia como invasora abre disputa entre setor produtivo e órgãos ambientais
Ismael Jales – dinheirorural
Nenhuma proteína animal cresceu tanto no Brasil na última década quanto a tilápia. A produção nacional saltou de 285 mil toneladas em 2014 para 660 mil toneladas em 2024, com expectativa de novo avanço em 2025. Mas uma recente publicação da Comissão Nacional de Biodiversidade (Conabio) acendeu um sinal de alerta no setor. Embora a inclusão da espécie na lista de exóticas invasoras não proíba sua criação, produtores temem futuras restrições e um aumento nos custos de produção.
A tilápia foi incluída na Lista Nacional Oficial de Espécies Exóticas Invasoras da Conabio, órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. O motivo é simples: a espécie não é natural do Brasil, mas originária da bacia do Rio Nilo, no continente africano, o que a caracteriza como exótica.
Entenda no vídeo:

A tilápia não é a única espécie não nativa amplamente cultivada no país. Diversos cultivos fundamentais ao agro brasileiro vieram de outras partes do mundo e se adaptaram muito bem, como a soja (China), a cana-de-açúcar (Sudeste Asiático) e o café (África). Mas isso não é regra.
“Nem toda espécie exótica se adapta com facilidade. A tilápia conseguiu se estabelecer porque é altamente resiliente e possui grande capacidade de reprodução. Em outros casos isso não ocorre, como com o bagre africano: ele já foi cultivado no Brasil, perdeu interesse comercial e hoje aparece em alguns rios, mas não se tornou dominante. Ainda assim, por ser um predador, representa risco para outras espécies”, explica Douglas Veloso Oliveira, pesquisador e técnico de laboratório de piscicultura da Universidade Una.
“Quando a tilápia escapa de criatórios, geralmente por falhas estruturais ou situações excepcionais, como enchentes, ela ocupa ambientes onde originalmente não existia, tornando-se invasora. Seu alto potencial reprodutivo aumenta rapidamente a biomassa em rios, lagos e represas, o que pode alterar a qualidade da água, favorecendo a tilápia, mas prejudicando espécies nativas. Além disso, apesar de ser onívora, a tilápia pode consumir larvas e peixes pequenos de outras espécies, afetando o equilíbrio ecológico”, afirma.
Tilápia não foi proibida
A inclusão na lista da Conabio não significa que a criação da espécie tenha sido proibida. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, o reconhecimento de espécies exóticas com potencial de impacto sobre a biodiversidade serve como “referência técnica para políticas públicas e ações de prevenção e controle”.
Em nota, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), responsável por autorizar o cultivo de espécies exóticas na aquicultura, reforçou que a tilápia segue permitida. Veja a nota aqui.
Setor apreensivo
Desde o anúncio, entidades da cadeia produtiva se manifestaram contrárias à inclusão. O Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) demonstrou preocupação com os possíveis impactos econômicos e sociais.
“O MPA solicitou ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) maiores esclarecimentos quanto à aplicabilidade da lista e à rastreabilidade dos impactos decorrentes. Uma das principais preocupações diz respeito à ausência de informações sobre os procedimentos a serem adotados após a eventual publicação da Lista de Espécies Exóticas Invasoras, especialmente no que se refere ao licenciamento ambiental, atualmente o maior gargalo da atividade. Esse processo pode ser inviabilizado, uma vez que não há legislação federal que permita o licenciamento de espécies exóticas invasoras, apenas de espécies detectadas nas regiões hidrográficas”, afirmou a pasta em nota divulgada no fim de outubro.
A Associação Brasileira da Piscicultura (Peixe BR) adotou um tom ainda mais crítico. Questionou o momento da inclusão da tilápia na lista, especialmente enquanto o governo autoriza a importação do peixe vindo do Vietnã.
“A Peixe BR vê com extrema preocupação essa proposta, uma vez que sua fundamentação carece de debate técnico amplo e de estudos atualizados e imparciais. Decisões dessa magnitude não podem desconsiderar o impacto socioeconômico para milhares de famílias que vivem da piscicultura”, declarou. Veja a nota aqui.
Custos ao produtor devem subir
Segundo o pesquisador Douglas Veloso, a discussão também tem potencial para elevar os preços ao consumidor, já que eventuais adequações podem exigir novos investimentos.
As medidas incluem estruturas mais seguras para evitar fugas, adequações às normas dos órgãos fiscalizadores, planos de manejo mais rigorosos e maior controle populacional nos criatórios. A expectativa é que, com esses ajustes, a atividade se estabilize, reduza riscos ambientais e permita a normalização dos preços.
A produção brasileira de tilápia ocorre majoritariamente em tanques escavados, estruturas externas de diversos tamanhos, com controle de entrada e saída de água. Esses tanques exigem tratamento da água semelhante a um sistema de esgoto.
Há também pequenos produtores que utilizam sistemas de recirculação interna, com filtragem e aquecimento, reduzindo o consumo hídrico. Nessas estruturas, as trocas de água são feitas apenas quando há alterações na qualidade.
Os cuidados
O alerta em torno da inclusão da tilápia na lista da Conabio se apoia em dois eixos principais: controle de risco ambiental (prevenção de fugas) e aprimoramento do manejo e da qualidade. Entre as recomendações estão:
- Prevenção de fugas com estruturas de contenção mais seguras
- Controle populacional interno
- Medidas específicas de prevenção (licenciamento ambiental)
- Reversão sexual
- Investimento em novas tecnologias
- Qualidade dos alevinos
- Nutrição adequada, com ração de teor proteico correto
- Densidade de estocagem ideal
- Qualidade da água e oxigenação
- Bem-estar animal no abate
A tilápia no Brasil
A tilápia vem ganhando espaço na mesa do brasileiro. Segundo a Peixe BR, o consumo per capita cresceu 93% em dez anos, passando de 1,47 quilo por habitante ao ano, em 2015, para 2,84 quilos em 2024.
O avanço é global. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) projeta que a produção mundial de tilápia alcançará 7,3 milhões de toneladas em 2025 — crescimento de 5% em relação ao ano anterior.
Apesar da expansão, a produção de tilápia e de pescados continua distante de outras proteínas. A Conab estimou que, em 2024, as carnes bovinas, de frango e suína somaram 31,57 milhões de toneladas no país. Foram 15,3 milhões de toneladas de carne de frango, 10,91 milhões de carne bovina e 5,36 milhões de carne suína.
Os pescados, conforme a Peixe BR, alcançaram 968,7 mil toneladas, sendo 662.230 toneladas apenas de tilápia.
A ampliação da produção se deve, na maioria, ao baixo investimento inicial, à versatilidade e ao rápido crescimento da espécie, que atinge o peso de mercado em pouco tempo. Isso permite ciclos produtivos curtos e maior retorno ao produtor.