Campeã da emenda Pix, Carapicuíba virou alvo do STF e teve emendas suspensas. Uma das destinatárias foi dirigida por offshore e condenada




A auditoria da CGU analisou cinco emendas enviadas para Carapicuíba que somam R$ 55 milhões. Desse total, houve execução financeira de apenas duas delas, sendo que os demais recursos permanecem em contas correntes na Caixa.
Entre os valores que a Prefeitura de Carapicuíba apresentou comprovantes estão repasses para a empresa Winter Garden, uma prestadora de serviços com contratos milionários junto ao município.
Entre junho de 2024 e abril deste ano, ela era controlada pela offshore Construcapital, sediada nas Bahamas. O uso de offshores não é ilegal, mas esse tipo de empresa no exterior costuma ser usado para blindagem patrimonial e envio de bens para o exterior.
gestão municipal apresentou duas notas fiscais que totalizam R$ 209 mil, para a obra de reforma de um centro esportivo da cidade, com pagamentos para a Winter Garden datados de novembro do ano passado.
De acordo com documentos na Junta Comercial de São Paulo (Jucesp), a Winter Garden foi controlada por Moises Teixeira de Sousa Neto antes e depois do período em que foi dirigida pela offshore das Bahamas. Em junho do ano passado, quando a empresa sediada no paraíso fiscal assumiu o controle da construtora, Moisés foi nomeado como administrador da offshore.



A construtora fica em uma sala comercial no bairro Aldeia da Serra, um conjunto de condomínios residenciais em Barueri, que há cerca de 7 anos era fechado para visitantes, mas foi aberto com o aumento de estabelecimentos comerciais. A reportagem foi ao local e foi recebida por uma funcionária que, do portão do prédio comercial, confirmou que Moisés era o dono da empresa, mas pediu que os demais questionamentos fossem enviados por e-mail.
Moisés tem 77 anos e, segundo os registros da empresa, morava na periferia de Jandira, outro município da Grande São Paulo, antes de se mudar para perto da sede da Winter Garden, de acordo com dados da Jucesp. A reportagem tentou contato com Moisés por telefone que parou de responder após saber qual era o assunto da conversa.
Condenação
Neste ano, Winter Garden foi condenada por apresentar um atestado de capacidade técnica com informações falsas, de acordo com processo judicial. A ação foi proposta pela entidade Centro de Defesa dos Direitos Humanos 18 de Fevereiro, que afirmou que a empresa se valeu de atestado ideologicamente falso para vencer uma licitação em Indaiatuba, uma vez que certifica serviços complexos com base em um contrato cujo objeto são reparos gerais, ou seja, distintos daqueles atestados.
Já a sentença do juiz Gustavo Kaedei afirma que a ré “não refutou as evidentes incongruências apontadas, admitindo inclusive que ‘algum erro, com certeza, ocorreu’. “A ausência de uma impugnação específica sobre a falsidade do conteúdo do atestado, somada à confissão do Município, torna o fato incontroverso nos autos”, diz a sentença.
Paraíso das emendas
- Carapicuíba recebeu R$ 157 milhões desde 2020, tornando-se a cidade que mais atrai emendas Pix no Brasil, apesar de falhas de transparência apontadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE).
- Deputados federais evangélicos concentraram 58% dos recursos enviados ao município da Grande São Paulo, mesmo sem ter base eleitoral expressiva na cidade. Marco Feliciano (PL), sozinho, destinou R$ 33 milhões.
- Ministérios e parlamentares relatam dificuldades para rastrear o uso do dinheiro; planos de trabalho são incompletos ou imprecisos, e parte dos recursos aparece com finalidade diferente da informada.
- Apesar do volume de verbas, a cidade acumula obras paradas, como uma creche abandonada desde 2016, e serviços de baixa qualidade, como recapeamentos que logo apresentam buracos.
- Parlamentares questionam o destino de suas próprias emendas; a prefeitura nega irregularidades, atribui a liderança em repasses ao “bom relacionamento político” e promete ajustes nas informações oficiais.
O que dizem a Prefeitura de Carapicuíba e a Winter Garden
A Prefeitura de Carapicuíba afirmou, por meio de nota, que “a empresa Winter Garden está constituída no Brasil, com CNPJ válido, e não apresentou atestado irregular ao Município”. A administração também afirmou que não há declaração de inidoneidade contra a empresa nem decisões que a impeçam de participar de processo licitatório e firmar contratos com a administração pública.
“É importante reforçar que a Prefeitura não escolhe diretamente as empresas responsáveis pelas obras públicas. Os contratos são firmados por meio de processos licitatórios regulares, em conformidade com a legislação vigente, o que garante igualdade de condições a todas as participantes”, diz o município.
Já a Winter Garden afirmou que, hoje, Moisés Sousa é o seu único sócio e que outras “composições societárias da empresa estão todas devidamente registradas na Junta Comercial e sempre estiveram em conformidade com as leis nacionais”. Alega que “nunca houve qualquer questionamento por qualquer autoridade acerca do quadro societário da empresa, que sempre atuou de maneira lícita e transparente”.
Já sobre a condenação, a empresa afirmou que nunca foi condenada por falsificar atestado e que a decisão condenatória final ainda depende do julgamento de segunda instância.
“A Winter Garden jamais utilizou atestados falsificados em qualquer licitação no município de Carapicuíba ou em qualquer outro, excetuado o episódio narrado no processo em comento, referente a um equívoco ocorrido em licitação havida em outro município, a qual já foi objeto de rescisão contratual amigável e sobre o qual não há qualquer pendência administrativa ou judicial, o que motivou, inclusive, a instauração, à época, de procedimento administrativo interno, no âmbito da empresa, para apuração de responsabilidades”, diz a empresa.